Caçambas de entulho: os órfãos das políticas públicas de proteção ambiental

Esse mercado cresceu baseado na ilegalidade, descartando entulho em espaços clandestinos, lagos e lagoas, rios e até no mar, sem o mínimo de regras e com respaldo da população e do poder público. Embora isso ainda seja a realidade de grande parte do país, a regulamentação do transporte de resíduos avança nas capitais e cidades médias em virtude dos impactos nocivos dos aterros clandestinos ao meio ambiente, aos animais, às águas e à população, que sofre com as queimadas de lixo nos aterros clandestinos em direção às moradias.

O transporte de resíduos da construção é um setor composto basicamente por empresas com caminhões basculantes, caçambas estacionárias, carroceiros e fretes.

Não há dados públicos sobre os carroceiros, aqueles que transportam resíduos da construção e recicláveis com tração animal ou humana, porém, não são a maioria em número nem em volume. Diferente do transporte por caçamba basculante ou estacionária, esses atores estão presentes em cidades médias e grandes e sempre utilizam a estrutura pública, seja os ecopontos ou terrenos baldios e não estão dedicados ao entulho, ou seja, estão na função em virtude da precarização do trabalho, das condições sociais ou da necessidade momentaneamente.

Um dado que enriquece a discussão é o valor dos serviços de remoção e transporte de RCD. De acordo com os dados mais recentes da Pesquisa Setorial Abrecon 2022, a média de preço das empresas (caçamba de entulho) respondentes é de R$ 250,00.

Obviamente nós estamos falando da média de valores das caçambas estacionárias, desconsiderando cidades e regiões onde o poder de compra está reduzido ou culturalmente há mais aterros clandestinos, o que puxa o valor de locação da caçamba pra baixo.

O transporte de RCD é basicamente o papel de alguém que faz a ligação entre o gerador e o destinatário, assim temos a caçamba sendo usada para descartar o entulho e, ao final, sendo levada para uma usina de reciclagem de entulho, aterro de inertes ou uma ATT – Área de Transbordo e Triagem.

O transporte de entulho ou resíduos da construção é o nome correto, todavia, alguns chamam de entulheiro, caçambeiro e até lixeiro.

Esse segmento é imprescindível para a construção civil, mas não recebe tratamento respeitoso e digno das construtoras, sobretudo pelos preços praticados e pela rotatividade de fornecedores, em geral trocados pelo fornecedor (transportadores) mais barato com maior tempo de estacionamento da caçamba estacionária. Essa prática invariavelmente está concatenada a descarte clandestino ou a venda ilegal do resíduo para aterramento ou elevação do greide (aterramento para elevar o terreno).

O transporte de resíduos, a caçamba de entulho, o próprio resíduo são elementos presentes em nosso dia a dia, em cada viagem que fazemos para o trabalho ou no retorno para casa, na construção, no reparo, nas enchentes, catástrofes, enfim, está em todo lugar, contudo, absurdamente não tem uma abordagem profícua em nenhum plano de resíduos e, ao menos, alguém que olhe para o negócio como importante ou o desvelo necessário para entender a relação desse segmento com os reais problemas do entulho no Brasil.

Sob a batuta dos órgãos públicos municipais, não há uma ação efetiva para garantir a segurança dessas empresas e preservar o meio ambiente, assim, mesmo os transportadores de resíduos da construção sendo essenciais em pandemias, epidemias, surtos, catástrofes ambientais, enchentes e ambientes hostis, são invariavelmente colocados de lado em políticas públicas, escanteados na abordagem ambiental, planos municipais e estaduais de resíduos sólidos e estímulos econômicos ou financeiros.

É a regra. Não há sequer um capítulo nos planos estaduais e no Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos) sobre o transporte de resíduos da construção, suas dores, seus desafios, nada.

É fato que o segmento de transporte de resíduos é o maior vetor de poluição ambiental. Também é fato que, embora esteja na lei e já seja reconhecido por algumas prefeituras, é um negócio que resiste a admitir a responsabilidade do gerador sobre o resíduo.

Sim, o transportador pensa que ele é o responsável pelo resíduo. Estranho, mas real.

No Brasil real, nos rincões do país, onde a lei funciona como sugestão e não há controle do que se gera, transporta e destina, o que acontece na maior parte do interior, é o transportador que leva o entulho para um terreno baldio, para uma área alagada, para o rio, para o mar e até para o aterramento de áreas para a construção de novas moradias ou favelas.

Assim temos uma receita que envolve a negligência do poder público, diminuto em fiscalização e regulamentação, sem regras para a geração, transporte e destinação, o caçambeiro assumindo a responsabilidade não apenas pelo transporte mas também pelo gerenciamento e destinação do RCD e uma sociedade sedenta em resolver seus problemas o mais rápido possível no menor preço e sem responsabilidade legal.

Quando a TV aborda matérias jornalísticas sobre os aterros clandestinos de lixo e entulho, nunca, absolutamente NUNCA, cobram as construtoras. Isso passa objetivamente por uma noção extremamente superficial do jornalista sobre a questão ambiental.

Aqui vale um debate sobre como as cidades estão discutindo essa questão. Precisamos discutir a baixíssima qualificação das secretarias e divisões de meio ambientes para propor solução para a gestão dos resíduos da construção. Isso passa por uma visão malograda dos estados que, por sua vez, não tem orientação e empenho do Ministério do Meio Ambiente.

Um aterro clandestino é o resultado de anos e anos de omissão e corrupção do poder público e das construtoras numa cultura financiada por lobbies fortíssimos que culmina no transportador, ou seja, toda a cadeia está se equilibrando no caçambeiro para ostentar seus números na gestão ambiental.

Então temos uma cadeia com poderes, afazeres e responsabilidades totalmente discrepantes. A gestão correta dos resíduos, isto é, a separação dos resíduos no canteiro de obras, a escolha do melhor material para a obra, do método de construção, correção e demolição e manutenção inexiste no gerador.

Pare, olhe e escute: Não existe gestão dos resíduos na maioria das construtoras.

Dessa forma é conveniente uma construtora vangloriar-se de dados sobre a destinação e reciclagem dos resíduos, que convencem uma porção significativa da sociedade, mas é obrigação dela se assegurar da destinação correta do entulho e não colocar toda a responsabilidade no elo mais frágil da cadeia – o caçambeiro.

É confortável para uma construtora vender seu imóvel com uma camada de verniz ambiental, sem fazer absolutamente nada. Ainda, essa mesma construtora participa e estimula o desmonte de políticas ambientais por meio de seu sindicato, senta-se com prefeitos, governadores e até presidente, e até assume compromissos ambientais, que sutilmente são anulados nos departamentos de compra, contratando empresas transportadoras baratas que descartam seus resíduos em qualquer lugar em troca de um papel – o CTR ou MTR.

Os transportadores são órfãos de políticas públicas por não estarem à mesa de discussão, não serem organizados e seus algozes – clientes ao mesmo tempo, contarem com a concorrência acirrada do mercado de caçamba, degradando ainda mais o segmento de transporte.

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